A literatura de cordel é uma forma de expressão da cultura popular brasileira, especialmente no interior do nordeste do país. Apesar de não ser exclusivamente nordestino, o gênero tem destaque em estados como Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte e Ceará.
Originalmente, a forma de literatura surgiu na Europa do século XII, ganhando força durante o Renascimento. Além do destaque que teve em Portugal, o cordel também se popularizou em regiões de França, Espanha e Itália.
No Brasil, o gênero ficou popular a partir do século XIX, mas especialmente entre 1930 e 1960.
Origem e evolução da literatura de cordel
A origem do cordel começa com poetas que vendiam seus trabalhos em feiras e festas nas cidades da Europa medieval. Séculos mais tarde, com o advento de formas de comunicação como rádio e TV, o formato acabou perdendo força.
Entretanto, especialmente em estados do nordeste brasileiro (sob influência de Portugal), o gênero acabou se tornando tradicional e o cordel ganhou destaque como força de expressão cultural local.
Atualmente, estima-se que existem cerca de 4 mil cordelistas em atividade no Brasil. Além disso, também há a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) , fundada em 1989, a fim de preservar importantes documentos, livros e folhetos de cordel.
Entre os nomes de maior destaque em atividade estão Apolônio Alves dos Santos, Cego Aderaldo, Cuica de Santo Amaro, Guaipuan Vieira, Firmino Teixeira do Amaral, João Ferreira de Lima, João Martins de Athayde, Manoel Monteiro, Leandro Gomes de Barros, José Alves Sobrinho, Homero do Rego Barros, Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), Téo Azevedo, Gonçalo Ferreira da Silva e João de Cristo Rei.
Principais características
O nome cordel diz respeito à forma como os folhetos eram apresentados aos públicos. Após a produção dos materiais, autores e vendedores montavam uma exposição com os pequenos livros pendurados em cordas ou barbantes.
As principais características dos textos do cordel consistem na estrutura em versos, bem como do uso de linguagem coloquial e popular. Além disso, é comum que temas regionais, atuais e populares sejam foco dos trabalhos. Também é comum que os poemas tenham doses de humor, ironia e sarcasmo.
Literatura de cordel x repente
Uma vez que também é uma representação cultural regional nordestina, o repente também é muito associado à literatura de cordel. Entretanto, as duas formas de artes são bem distintas, com características próprias diferentes.
Enquanto o cordel é uma forma de poesia popular feita com traços de oralidade e publicada em pequenos folhetos, o repente é uma poesia falada e de improviso. A confusão entre os gêneros surgiu a partir do momento em que cordelistas passavam a encenar e dramatizar suas poesias em praças e feiras, a fim de divulgar e vender seus trabalhos.
Trechos de poemas da literatura de cordel
História da machina que faz o mundo rodar (Antônio Ferreira da Cruz)
Cego, aleijado e moleque,
Padre doutor e soldado,
Inspetor, Juiz de Direito,
Comandante e delegado,
Tudo, tudo joga o dinheiro
Esperando bom resultado.
Matuto, senhor de engenho,
praciano e mandioqueiro,
Do agreste ao sertão
Todos jogam seu dinheiro
Se um diz que é mentiroso
Outro diz que é verdadeiro.
As Proezas de João Grilo (João Martins de Athayde)
João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.
O Triunfo do Poeta no Reino do Cafundó (Pedro Monteiro)
Peguei caneta e papel, Remexi nos meus lembrados, Invoquei sabedoria Dos nossos antepassados, Lembrei-me da minha avó Fazendo seus proseados.
Certa vez imaginando
A nossa ancestralidade,
Joguei luz no pensamento,
E busquei na oralidade
Histórias que se perderam
No vão da modernidade.
Peguei caneta e papel,
Remexi nos meus lembrados,
Invoquei sabedoria
Dos nossos antepassados,
Lembrei-me da minha avó
Fazendo seus proseados.
Sonhador (Nildo Cordel)
Nas gotas fracas da chuva Que a terra vai borrifando E faz levantar o cheiro De chuva que vou cheirando Eu sonho dias melhores E levo a vida cantando.
Viver é um desafio
Desafiar é viver
Por isso eu vou vivendo
Sempre buscando aprender
Para não ser devorado
Pela falta de saber.
Se posso dou um sorriso
Se não posso, um lamento
Mas não fico esperando
Sonhando sou avarento
E busco sonhar meu sonhos
Até no sopro do vento.
Nas gotas fracas da chuva
Que a terra vai borrifando
E faz levantar o cheiro
De chuva que vou cheirando
Eu sonho dias melhores
E levo a vida cantando.
Recomece (Bráulio Bessa)
Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar…
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.
Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar…
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.
O Romance do Pavão Misterioso (José Camelo de Melo Resende)
1
Eu vou contar uma história
De um pavão misterioso
Que levantou voo na Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma condessa
Filha de um conde orgulhoso.
2
Residia na Turquia
Um viúvo capitalista
Pai de dois filhos solteiros
O mais velho João Batista
Então o filho mais novo
Se chamava Evangelista.
História de Valentão do mundo (Severino Milanês Silva)
Valentão do Mundo é
Conhecido na história
Venceu e não foi vencido
Teve consigo esta glória
Em toda luta trazia
O triunfo da vitória.
Nas caçadas enfrentava
As mais temerosas lutas
Subjugava nas serras
As feras absolutas
Pegava onça nas furnas
Matava dentro das grutas.
E Tudo Vem a ser Nada (Silvino Pirauá de Lima)
Tanta riqueza inserida Por tanta gente orgulhosa, Se julgando poderosa No curto espaço da vida;
Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! que idéia perdida.
Oh! que mente tão errada,
Dessa gente que enlevada
Nessa fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.
Sem Título (Cuíca de Santo Amaro)
Versos, caro leitor,
É pra quem tem competência.
É para quem possui
Um pouco de inteligência
Para concretizá-los
Com toda fibra e cadência.
Versos é pra quem tem
O dom que Deus lhe deu.
Aquele dom que veio
Do berço quando nasceu.
Na Bahia tem alguém
Que tem dom igual ao meu?
Brazilian Amazônia (Raimundo Santa Helena)
Depois da “festa” quem é
Que vai se lembrar de junho?
Defender a Natureza
Pra mim não será rascunho
E sim a arte final
A nível universal
Quem falhar eu testemunho…
Brasil Caboclo (Zé da Luz)
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!
Na Hora do Lobo (Bráulio Tavares)
Quando um homem consome a madrugada
rabiscando umas folhas de papel
e ele sabe que a vida é tonelada
oscilando na ponta de um cordel;
ele sabe que o fim de toda estrada
não desagua no inferno nem no céu,
e ele pensa na feira, na empregada,
água e luz, condomínio e aluguel;
Sou Cabra da Peste (Patativa do Assaré)
Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.
O Interrogatório de Antonio Silvinio (Francisco das Chagas Batista)
Meu avô foi muito rico
e meu pai foi abastado
mas não mandou me educar
porque onde foi criado
o povo não aprecia
o homem civilizado
Ali se aprecia muito
um cantador, um vaqueiro
um amansador de poldro
que seja bem catingueiro
um homem que mata onças
ou então um cangaceiro
O Mal e o Sofrimento (Leandro Gomes de Barros)
Se eu conversasse com Deus Iria lhe perguntar: Por que é que sofremos tanto Quando viemos pra cá? Que dívida é essa Que a gente tem que morrer pra pagar?
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?
Fontes: Toda Matéria, Significados, Pensador
Imagens: DocPro, Pedro Monteiro, Ginno Larry, espiaqui, IFMG, Construindo a História Hoje, Adoro Cinema, Arquiteta Giovanna, O Berro, Palavras de Ateop, Pinterest, Português, DM, Circuito Cepe de Cultura
