O Burj Khalifa recebe visitantes diariamente e a eles são apresentados diversas estatísticas sobre sua construção. Entre elas que ela foi realizada com 330 mil metros cúbicos de concreto, mistura que é feita principalmente de areia.
Então você pensa, ‘poxa, eles estão cercados por um deserto, não tiveram problemas’. Só que não.
Isso porque a areia encontrada no deserto não é o tipo mais apropriado para a construção civil. Ou seja, os Emirados Árabes Unidos são um país no deserto que precisou importar areia.
Pelo menos, essas são as informações do Observatório da Complexidade Econômica, um banco de dados de comércio internacional compilado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de acordo com a BBC.
A areia usada na construção do Burj Khalifa foi importada da Austrália. Parece estranho, mas vários especialistas já apontaram para uma possível crise no abastecimento global de areia.
Taxa de renovação versus uso
A gente quase nunca pensa nisso, mas a areia é usada para fazer mais que concreto.
Quando seus grãos são aquecidos, são usados para produzir vidros. A areia também é usada como filtro nas estações de tratamento de água. Você sabia?
Vince Beiser é um jornalista, autor do livro “O Mundo em um Grão: A História da Areia e
Como ela Transformou a Civilização”, diz: “Areias de vários tipos são ingredientes essenciais na fabricação de detergentes, cosméticos, pasta de dente, painéis solares e chips de silício. Nossa civilização é construída literalmente na areia”.
Acredite se quiser, Beiser trabalha com o assunto ‘areia’ há muitos anos e já escreveu vários artigos sobre o mercado negro do produto (isso mesmo, mercado negro de areia!).
Secar as mãos com toalhas de papel ou jatos de ar: qual é mais saudável?
Países como o Marrocos, de onde a areia é retirada ilegalmente representa uma parte substancial de seu consumo. “Em um número chocante de países, pessoas estão sendo presas, torturadas e assassinadas por causa da areia. Ainda assim, a quantidade de areia sendo extraída em todo o mundo está aumentando – a custos terríveis para as pessoas e para o planeta”.
De acordo com as Nações Unidas, a porcentagem da população global que vive em áreas urbanas aumentará de 54% para 66% até 2050. Para se ter uma ideia, a população urbana global aumentou de 746 milhões para 3,9 bilhões desde 1950.
Areia e sustentabilidade
De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), de 2014, o consumo global de areia e cascalho estava “conservadoramente em mais de 40 bilhões de toneladas por ano” e alertou para questões de sustentabilidade.
“Areia e cascalho representam o maior volume de matéria-prima usada na terra depois da água. Seu uso excede em muito as taxas de renovação natural.
O que acontece com a gordura do nosso corpo quando emagrecemos (e para onde ela vai)?
Essa grande quantidade de material não pode ser extraída e usada sem um impacto significativo na biodiversidade, na turbidez da água (uma das medidas de qualidade) e nos níveis. Há também consequências socioeconômicas, culturais e até políticas”.
Só para se ter ideia da gravidade da situação, na Índia está acontecendo o aumento de gangues dedicadas a montar operações ilegais de mineração e silenciar dissidentes com violência. Além de as autoridades estarem sendo acusadas de fechar os olhos para a exploração de trabalhadores dedicados a extração de areia.
Areia que vale bilhões de dólares
Você nunca deve ter imaginado isso, mas a areia é um bom negócio. O mercado global de areia vale 70 bilhões de dólares (cerca de R$290 bilhões), de acordo com especialistas em comércio da ONU. Nos últimos 25 anos, seu preço médio cresceu em quase 6 vezes.
A ecologista do Centro Alemão de Pesquisa Integrativa sobre Biodiversidade, Aurora Torres, explica: “A ideia de areia espalhada por praias ou intermináveis desertos dificulta pensar na escassez, sem falar nos efeitos ambientais e humanos de sua extração. Especialmente quando os custos de extração são baixos e o acesso é quase ilimitado”.
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– Cingapura é o maior exportador de areia do mundo: foram quatro décadas de expansão territorial, recuperando terras no mar (uma área de 130Km²). O projeto continuou, mas vários países vizinhos pararam as exportações de areia para a ilha (por preocupações ambientais e considerações políticas sobre rotas marítimas e fronteiras territoriais).
– A China usou mais concreto (e areia) entre 2011 e 2013, durante o seu “boom” de construção, do que os Estados Unidos durante todo o século 20. Mais que isso, o país usa areia para recuperar terras do Mar do Sul da China, mais especificamente nas Ilhas Spratly – um arquipélago cuja soberania é reivindicada por vários países.
“Isso significa que os países podem literalmente mudar suas fronteiras. A China construiu a maior frota de dragagem do mundo e, desta forma, pode transportar mais areia do fundo do oceano para construir mais terras artificiais do que qualquer outra nação na Terra”, acrescenta Beiser.
– Na Indonésia foram registrados o desaparecimento de ilhas inteiras por causa da mineração intensiva de areia, que levou à erosão.
– Em um artigo publicado por Aurora Torres e colegas, na revista Science em 2017, relatou que há evidências de que a mineração de areia no Sri Lanka tenha exacerbado o impacto do tsunami que atingiu o país em 2004 e matou mais de 30 mil pessoas.
O meio ambiente
“A erosão e a degradação causadas pela extração de areia também são uma ameaça à água e à segurança alimentar. Pode prejudicar os estoques de peixes e outras fontes de alimentos cultivados”, acrescenta Torres.
O Delta do Mekong, no Vietnã é a região produtora de alimentos mais importante do sudeste asiático e está sofrendo com a escassez de areia.
“A mineração excessiva é responsável pela maior penetração de água salgada durante a estação seca. Isso prejudica o abastecimento doméstico de água e aumenta a salinização das terras cultivadas, o que afeta diretamente a produtividade.”
– No Brasil, a mineração de areia invade áreas protegidas de floresta tropical próximo ao Rio de Janeira e também causa degradação a área da Amazônia.
– Nos Estados Unidos a mineração provocou a erosão de áreas costeiras na Califórnia. Assim como os desastres causados pelo furacão Harvey, em Houston, foram agravados pela mineração em San Jacinto.
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– Em Portugal o colapso de uma ponte sobre o rio D’Ouro em 2001, onde morreram 59 pessoas, teve a mineração de areia como uma de suas causas.
“Eu não acho que alguém está em posição de dizer quando poderíamos ficar sem areia, mas isso não significa que deveríamos pensar que este é um recurso infinito. Precisamos estudar mais e mais o impacto da extração para obter mais respostas”, diz Torres.
“Mas nós temos evidências suficientes de que algo precisa ser feito para preservar o meio ambiente.”
Fonte: BBC