Algumas pesquisas realizadas nos últimos meses por endocrinologistas apontam para uma nova possibilidade na área da medicina. Nesse sentido, é provável que a covid-19 entre na lista de fatores de risco para a diabetes. O último estudo que comprova uma ligação entre a infecção pelo coronavírus e um posterior desenvolvimento da doença ocorreu recentemente. Nesse sentido, o resultado se dá por conta do descontrole das taxas de glicose. Mas afinal, qual a relação da Covid com a diabetes?
Eurípedes Donizete Donzeli, de 66 anos, pode comprovar o caso. Para ele, a covid veio em dose dupla. Em fevereiro de 2021, recebeu pela primeira vez o diagnóstico da doença. Dez meses depois, outro teste confirmou que ele estava com coronavírus de novo. “Nas duas situações, não tive sintoma nenhum. No primeiro episódio, só fiz o exame porque minha esposa estava com febre. No segundo, participei de uma confraternização de fim de ano e descobri que algumas pessoas presentes tinham testado positivo”.
Mas o que isso teria a ver com a diabetes? Após se recuperar do segundo quadro de covid, o homem recebeu orientações do médico de fazer exames de rotina.
“Foi aí que descobri que minha glicose estava em 146 e fui diagnosticado com diabetes na sequência”.
Normalmente, a glicose deve ficar abaixo de 100 miligramas por decilitro (mg/dl) quando a pessoa está em jejum. Donzeli continua:
“Não tinha histórico de diabetes da família e não esperava por essa agora”. Mas a história dele não é uma raridade.
Qual a relação da Covid com a diabetes?
Um dos últimos estudos que buscam comprovar a ligação entre o covid-19 e a diabetes está publicado no The Lancet Diabetes & Endocrinology. Nele, cientistas do Centro de Epidemiologia Clínica do Sistema de Saúde de St. Louis e da Universidade Washington, nos Estados Unidos, fizeram uma comparação de casos. Eles compararam os dados de 181 mil indivíduos que tiveram covid entre março de 2020 e setembro de 2021. Logo depois, relacionaram as informações com 8 milhões de pessoas que não se infectaram com a doença.
Como resultado, os dados mostram que existe um aumento de 40% no risco de diabetes entre quem acabou infectado pelo coronavírus. Assim, de cada 100 participantes que pegaram covid, dois tiveram a doença endocrinológica. Ziyad Al-Aly, médico e autor principal da pesquisa, diz que ficou surpreso ao notar algo. Nesse sentido, que o risco estava até em pessoas que não tinham outros fatores de risco para desenvolver diabetes, como obesidade, histórico familiar ou doenças cardiovasculares.
“Outra coisa que não esperávamos é que a doença pode aparecer até mesmo nos pacientes com casos assintomáticos ou leves de covid-19”. Hermelinda Pedrosa, ex-presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, comenta sobre o estudo:
“Esses dados vêm de um trabalho muito bem feito, com uma metodologia robusta e uma comparação que levou em conta o histórico pré-pandemia e o diagnóstico de covid”.
Problema das suspeitas e definições
Seja como for, é essencial entender que esses estudos ainda são observacionais. Assim, não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito. Apesar dos médicos buscarem entender qual a relação da covid com a diabetes, as pesquisas ainda não são uma regra. Tudo que elas fazem é conferir o que ocorreu com certo grupo de pessoas após um evento. No caso da pesquisa americana, o objetivo foi verificar se existia um risco de diabetes após a covid.
Apesar da confirmação de que algo liga os dois casos, o modelo ainda não explica os mecanismos por trás de tudo isso. Dessa forma, tudo ainda é apenas uma possibilidade. “Existe uma série de hipóteses para explicar esse maior risco, incluindo a persistência do coronavírus no organismo, que pode provocar uma inflamação crônica por trás da diminuição da sensibilidade à insulina”, comenta Al-Aly.
A insulina citada pelo doutor é um hormônio que vem do pâncreas. Ele possui a função de permitir que a glicose entre em cada célula do organismo, sendo utilizada como fonte de energia. Caso o pâncreas não funcione direito, ou caso a insulina não funcione como deve, a glicose não flui pelo sangue. O desequilíbrio causa vários problemas de saúde, como a diabetes.
Além disso, Carlos Eduardo Barra Couri, endocrinologista, complementa. “Além da própria inflamação da covid levar a um aumento da resistência à insulina, o tratamento dos casos graves da infecção envolve o uso de corticoides, medicamentos anti-inflamatórios que aumentam o risco de diabetes”.
O que fazer?
De acordo com matéria da BBC, os médicos já possuem recomendações para pessoas que tiveram covid e estão preocupadas com o balanço da glicose. Antes de mais nada, é essencial fazer uma avaliação médica. Assim, é possível conferir se há a necessidade de tentar diagnosticar diabetes. Normalmente, se mede a glicemia em jejum, a hemoglobina glicada ou se faz o teste oral de tolerância à glicose.
Contudo, ainda não existe uma orientação clara de que quem teve covid precisa realmente fazer exames de rotina. Mesmo assim, especialistas opinam que ao menos quem apresenta outros fatores de risco deveria fazer os testes. Por exemplo, pacientes com histórico de diabetes na família, idosos, indivíduos obesos ou com sobrepeso, com doenças cardiovasculares. “Pessoas com pré-diabetes, quando a glicemia fica entre 100 e 125 mg/dl, também devem ficar atentas”, diz Hermelinda.
A diabetes é uma doença silenciosa. Os sintomas típicos, como muita vontade de fazer xixi, muita sede e perda de peso são sutis. Além disso, eles só aparecem em fases mais avançadas. Caso confirmado o diagnóstico, o tratamento de diabetes normal segue. “Cabe a cada profissional identificar se é diabetes do tipo 1 ou 2 e indicar as terapias para controlar o quadro”.
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