O desafio da banana parece uma brincadeira simples, mas pode trazer consequências graves aos sírios. Por um lado, os sírios aparecem no TikTok comendo bananas e desafiando seus amigos a fazer mesmo. No entanto, as autoridades turcas estão acusando-os de incitar o ódio por comerem a fruta de forma “provocativa”.
Como consequência, diversas prisões aconteceram e parte desses usuários podem ser deportados. Acima de tudo, o caso do desafio da banana faz parte do clima de hostilidade e tensões contra a comunidade síria no mundo. Em especial na Turquia, onde até mesmo uma fruta pode aumentar a histórica divisão social.
Nesse sentido, vale lembrar que a relação entre Síria e Turquia parte de uma vizinhança fronteiriça. Além disso, ambos compartilham laços históricos, porque a Síria fez parte do Império Otomano, que marcou a origem do país turco. Ou seja, essa relação existe desde o fim do século XIII, quando o Império Turco ou a Turquia Otomana teve sua fundação no noroeste da Anatólia.
Apesar disso, o conflito começou propriamente após a Primeira Guerra Mundial. Sobretudo, um desentendimento territorial sobre a atual província turca de Hatay foi o ponto inicial desse conflito, que se estende de 1920 até atualmente. Anteriormente, Hatay fez parte da Síria, mas diversos pedidos do parlamento receberam negativa da Síria, o que enfraqueceu ainda mais as relações.
Por fim, entenda mais sobre a relação entre o desafio da banana e o conflito Síria-Turquia a seguir:
Conflito Síria-Turquia
A princípio, a província de Hatay teve reivindicação pela capital Turca Ancara durante o Pacto Nacional Turco de 1920. No entanto, a região manteve-se como parte do Mandato Francês da Síria até 1938. Logo em seguida, houve uma decisão do parlamento autônomo para que a região fosse anexada à Turquia em 1939, mas a Síria não aceitou.
Por fim, no final dessa década, Hatay tornou-se parte da Turquia. Porém, não foi o fim dos conflitos entre os dois países. Posteriormente, a partilha de água tornou-se um problema entre as nações, com várias etapas e embates a nível político e social. Como exemplo, pode-se citar a construção de barragens nos rios Eufrates e Orontes.
Como consequência, houve limitação do fluxo através da fronteira da Turquia, aumentando as tensões. No âmbito político, a decisão de Hafez, ex-presidente da Síria e pai do atual presidente Bashar al-Assad, deteriorou fundamentalmente as relações. Basicamente, ele forneceu bases e apoio ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão nas décadas de 1980 e 1990.
Em resumo, essa ação fortaleceu o Partido durante o conflito curdo na Turquia, um conflito armado entre a República da Turquia e grupos rebeldes. Sobretudo, os rebeldes curdos exigiam a separação do país turco para criar um Curdistão independente. Desse modo, teriam mais autonomia, direitos políticos e culturais enquanto sociedade.
Nesse sentido, esse conflito começou em 1978 e permanece até os dias atuais, com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão encabeçando o conflito. Curiosamente, a Turquia e os Estados Unidos consideram esse partido como uma organização terrorista. Sendo assim, a decisão do governo sírio em apoiar os rebeldes estendeu conflitos e tensões que acontecem há séculos entre vizinhos.
Qual a relação do desafio da banana com isso?
Basicamente, o desafio da banana surgiu a partir de um vídeo viral sobre uma discussão acalorada entre sírios e turcos sobre a situação econômica na Turquia. Acima de tudo, a economia turca sofreu com a alta inflação e consequentemente isso afetou os padrões de vida da população. No vídeo em questão, há um debate com pontos de vista conflitantes.
Porém, uma jovem síria aparece utilizando um turco fluente para defender a ética de trabalho dos refugiados que estão no país. Apesar dos incontáveis conflitos armados na Síria, os cidadãos da Turquia defendem que os sírios e afegãos estão “roubando seus empregos”. No geral, essa é uma opinião comum na região, que atualmente tem a maior população de refugiados do mundo.
Mais especificamente, são cerca de 3,6 milhões de sírios, vistos como invasores e inimigos pelos conflitos históricos entre as nações. Sobretudo, cabe ressaltar que o embate Síria-Turquia tornou-se parte do imaginário coletivo e cultura popular desses países ao longo do tempo. Ou seja, existe uma rivalidade que passa entre gerações por conta dos ataques em ambos lados.
Apesar disso, o sentimento anti-imigrantes está se fortalecendo em decorrência da crise econômica no país, e o agravamento que a pandemia causou. Por outro lado, há ainda o estabelecimento de restrições mais duras aos imigrantes, com campanha por vários políticos turcos e nacionalistas.
Entretanto, o que tornou o vídeo viral de verdade foi o argumento de um turco que disse “Vejo sírios no mercado comprando quilos de bananas, eu mesmo não tenho dinheiro para comprá-las”. Como consequência, surgiu um debate entre os sírios na Turquia e a frase tornou-se viral no TikTok.
Deportação a preço de banana
Rapidamente, os sírios começaram a filmar o desafio da banana. Os vídeos comendo bananas, usando filtros e memes com essa fruta tornaram-se famosos nas redes sociais. Mas nem todo mundo achou graça, muito menos os turcos. Apesar da conotação satírica por conta da frase no vídeo viral, políticos nacionalistas começaram a utilizar dessas reações em suas campanhas.
Sobretudo, uma foto que substituiu a bandeira turca por uma banana causou tensões que levaram à prisão de usuários sírios do TikTok e outras redes sociais. Antes de mais nada, o principal argumento das autoridades locais é que os sírios estão caçoando da crise econômica e dos símbolos nacionais da Turquia.
Mais ainda, os responsáveis pelas prisões de sírios que fizeram memes e vídeos online prometeram publicamente que eles seriam deportados para a Síria. Ademais, existe um movimento para “identificar todas essas mensagens provocativas” e lidar com “todos os indivíduos que participaram dessa campanha”, de acordo com a própria Diretoria Geral de Migração da Turquia.
No geral, a Turquia possui leis rígidas que proíbem insultos contra o Estado, assim como contra a bandeira e o presidente. Portant, existem leis formais sobre esse tipo de acontecimento. Apesar disso, partidos da oposição afirmam que as prisões tem cunho preconceituoso e xenofóbico com os sírios.
Nesse sentido, diversos sírios foram em contas anônimas às redes sociais dizer que o desafio da banana não é sobre caçoar dos turcos, e sim do racismo no vídeo viral. Além disso, também reforçam que a situação econômica na Turquia afeta a todos. Por fim, esse novo capítulo do conflito Síria-Turquia surge durante a crise migratória e social em decorrência da Covid-19 no mundo.
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