Os cientistas recentemente deram um passo significativo em direção ao uso de órgãos de animais para transplantes que salvam vidas. Em suma, médicos americanos transplantaram um rim de porco para um corpo humano e testemunharam seu pleno funcionamento.
Ao longo das décadas, pesquisadores realizaram diversos estudos com porcos em busca de resolver a escassez de órgãos. Contudo, houve uma série de empecilhos neste processo, incluindo o açúcar nas células de suínos, que é incompatível com o corpo humano e causa a rejeição do órgão.
Desse modo, para pesquisas recentes, os cientistas usaram um rim de um porco com alteração genética, para remover o açúcar das células, o que evitaria uma falha do sistema imunológico durante o transplante.
Os cientistas testemunharam que o rim cumpriu sua função filtrando resíduos e produzindo urina; surpreendentemente, não causou rejeição. Saiba mais a seguir.
O que é Xenotransplante?
Conhecida como xenotransplante, a cirurgia ocorreu no sábado, 25 de setembro de 2021, num hospital em Nova York. O rim foi obtido de um porco geneticamente modificado e transplantado em um doador falecido que foi mantido em um ventilador, com o consentimento da família, por 54 horas enquanto a função e aceitação do novo rim eram estudadas.
A cirurgia foi parte de um estudo maior aprovado por um comitê de supervisão de ética em pesquisa. É a última etapa de um protocolo de pesquisa que exige a realização de procedimentos adicionais e semelhantes.
A doação de corpo inteiro após a morte para fins de estudos inovadores representa um novo caminho que permite que o altruísmo de um indivíduo seja realizado após a declaração de morte encefálica em circunstâncias em que seus órgãos ou tecidos não sejam adequados para transplante.
Com efeito, o rim foi ligado aos vasos sanguíneos na parte superior da perna, fora do abdômen, e coberto com um escudo protetor para observação e amostragem de tecido renal durante o período de estudo de 54 horas.
A produção de urina e os níveis de creatinina (indicadores-chave de um rim que corretamente) eram normais e equivalentes ao que é visto em um transplante de rim humano. Durante todo o procedimento e período de observação subsequente, os médicos não detectaram nenhum sinal de rejeição.
Antigos estudos com porcos
A ideia dos transplantes de animal para humano, também conhecido como xenotransplante, remonta ao século XVII, quando esforços infundados para utilizar sangue animal para transfusões eram feitos.
Por volta do século XX, os médicos começaram a tentar transplantes de órgãos de babuínos em pessoas, o mais famoso é o Bebê Fae, uma criança que viveu 21 dias com um coração de babuíno.
Com pouco sucesso a longo prazo e muita indignação pública, os cientistas mudaram seu foco de macacos para porcos, alterando seu DNA para eliminar a divisão entre as espécies.
Ademais, os porcos têm uma vantagem competitiva sobre macacos. Por serem cultivados para alimentação, utilizá-los como órgãos apresenta menos problemas éticos.
Além disso, os porcos têm ninhadas grandes, curtos períodos de gestação e órgãos semelhantes aos dos humanos.
Escassez crítica de órgãos transplantáveis
O número de doações de órgãos utilizáveis disponíveis para transplante não cresceu o suficiente ao longo do último meio século, enquanto a necessidade de órgãos aumentou vertiginosamente.
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, o Brasil registra uma fila de 53.218 pessoas aguardando por um transplante. Atualmente, o transplante de rim ocupa o topo do ranking: são mais de 31 mil pessoas na espera. Em seguida, vem o transplante de córnea, com mais de 19 mil brasileiros na fila.
Atualmente, para atender à enorme necessidade de doadores de órgãos, os especialistas em transplantes agora podem usar rins de doadores falecidos com certas infecções, como hepatite C, que antes eram inelegíveis.
Os médicos também estão usando máquinas especializadas para preservar os rins por mais tempo, em um esforço para usar o máximo possível. Mas essas opções não são suficientes para suprir a escassez de rins.
Como o transplante do rim de porco é revolucionário para o futuro da medicina?
O Doutor Robert Montgomery, cirurgião responsável pela operação afirma que “este é um momento transformador no transplante de órgãos. As comunidades médicas e científicas têm trabalhado com o xenotransplante para sustentar a vida humana por mais de 50 anos.
Houve muitos obstáculos ao longo do caminho, mas nosso procedimento mais recente move significativamente esses esforços para a frente. Esta pesquisa fornece uma nova esperança para um suprimento ilimitado de órgãos; uma virada de jogo em potencial para o campo do transplante e aqueles que ainda morrem por falta de um órgão. ”
“O potencial aqui é incrível”, acrescenta Montgomery. “Se a ciência e a experimentação continuarem avançando positivamente, poderemos estar próximos do xenotransplante de rim em um ser humano vivo. E o futuro desse trabalho não se limita aos rins.
O transplante de corações de porcos geneticamente modificados pode ser o próximo grande marco. Este é um momento extraordinário que deve celebrar não o fim da estrada, mas o começo. Há mais trabalho a fazer para tornar o xenotransplante uma realidade cotidiana”, finaliza o pesquisador.
Transplante poderá ser feito no Brasil
Cientistas brasileiros que estudam edição genética e xenotransplantes viram com otimismo o transplante de rim de porco feito por cirurgiões em Nova York. Desse modo, no Brasil, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) planejam repetir o procedimento no país.
Contudo, o processo por aqui vai demorar um pouco mais. Para este experimento é preciso seguir algumas etapas como por exemplo a construção de um biotério (local controlado e com ambiente sanitário adequado para modificação genética dos porcos).
Após essa fase, a previsão é de que leve cerca de um ano e meio para que a estrutura fique pronta. Lá, o processo de implantação dos embriões poderá ser feito de forma estéril, como numa sala de cirurgia. Dessa forma, é possível evitar a contaminação dos animais com patógenos – organismos que podem ser prejudiciais a humanos.
Por fim, a expectativa dos cientistas é de que em breve nasçam os primeiros porquinhos geneticamente modificados. Esses ainda não poderão ser transplantados para humanos, mas vão servir de teste, para que os cientistas brasileiros saibam que são capazes de produzi-los.
Ética e proteção animal
Alguns grupos de proteção animal como a PETA – Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais são contrários a prática do xenotransplante. Segundo eles, porcos e outros animais usados para esse fim são geneticamente modificados e submetidos a uma vida inteira de confinamento. Ademais, eles passam por procedimentos extremamente dolorosos antes de serem mortos.
Além disso, eles ressaltam preocupações sobre o potencial do xenotransplante para espalhar zoonoses e outros patógenos infecciosos, e alegam que os porcos carregam vírus e outros agentes que poderiam ser introduzidos nas populações humanas.
Finalmente, essas organizações defendem o transplante de órgãos apenas de humanos para humanos, e apontam que mudanças simples nas políticas destinadas a aumentar as doações de órgãos, podem resolver o problema da escassez de órgãos e das longas filas de transplantes.
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