Logo no início da pandemia, acreditava-se que os sintomas pulmonares causados pela covid-19 eram a maior preocupação sobre a doença. Contudo, após 2 anos desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, a situação já é outra. Afinal, a ciência já determinou que os danos vão além disso. Nesse sentido, o Sars-CoV-2, por exemplo, é uma doença sistêmica que pode afetar várias partes do corpo ao mesmo tempo. O cansaço pós-covid inexplicável de muitos pacientes pode ter respostas nesse problema.
De acordo com Evaldo Stanislau, infectologista do Hospital das Clínicas, alguns sintomas permanecem por muito tempo. “Passada a fase inicial do ciclo do vírus, alguns sintomas permanecem para determinados pacientes, sobretudo os neuropsiquiátricos”. Entre eles, está a fadiga crônica. Ela ainda vem acompanhada de falha na memória, raciocínio lento e uma sensação de incapacidade de mover o corpo. Nesse sentido, esse tal cansaço extremo vem sendo um dos quadros que mais acompanha quem já teve a doença, principalmente a ômicron.
Seja como for, ainda não se sabe ao certo o motivo das pessoas sentirem cansaço pós-covid. A exata razão ainda é um mistério, mas algumas teorias indicam possibilidades. “Algumas linhas de pesquisas apontam que os sintomas neurológicos são causados por uma reação do próprio corpo em resposta à covid-19, criando um gatilho para desencadear processos inflamatórios reativos”, explica Evaldo.
Cansaço pós-covid: o que pode explicar o efeito colateral
Toda a reação exagerada do sistema imunológico é fruto de um mecanismo de defesa do próprio organismo. Nesse sentido, ele funciona de forma que o corpo crie uma defesa desproporcional para combater as várias células infectadas pelo SarS-CoV-2. Dessa forma, a inflamação causada no processo pode ser uma das possíveis razões para um tipo de sequela como a fadiga, a perda de memória, olfato e paladar. Outra hipótese é a inflamação vir de pequenas quantidades de restos de vírus no corpo.
Além disso, Stanislau também explica que podem existir fases diferentes de um mesmo fenômeno. “Pelo que observamos da ação de outros vírus e doenças infecciosas que desencadeiam quadros semelhantes, quando dura menos de oito semanas, geralmente o problema é revertido naturalmente.” Assim, em certos casos, os sintomas de cansaço pós-covid podem durar de 6 meses até 1 ano. Ainda não se sabe como os danos da doença vão repercutir no futuro.
“Isso tem um impacto na cadeia produtiva muito grande, tanto quem trabalha com atividades intelectuais como para quem usa habilidades físicas, já que o cansaço não permite que a pessoa realize suas atividades da mesma maneira que antes”. Stanislau também diz que não exista quem possui maior ou menor potencial para desenvolver o cansaço. “Por isso temos que trabalhar com a possibilidade de que todos têm potencial para sofrer com essas sequelas – e se infectar propositalmente ou deixar de se proteger é irresponsável.”.
Mesmo assim, quem está mais propenso a sofrer com as sequelas é quem passou por uma internação mais longa que o normal. Nesses casos, existem alterações articulares, da pele e do sistema respiratório. Isso não é causado só pela doença. A falta de alimentação direta para pessoas intubadas e longos períodos sem se mexer também causa isso.
Tratamento do cansaço
Para Jordana Machado, infectologista do Hospital Japonês Santa Cruz, um tratamento exato ainda não existe. “Como não se sabe exatamente a causa, a recomendação é inespecífica, apenas para o manejo de sintomas. O que pode incluir, por exemplo, um xarope para tosse e até a prescrição de um antibiótico, se a doença causou uma infecção secundária como a sinusite”. Da mesma forma, fisioterapia, descanso e apoio psicológico são importantes.
“Em geral, os pacientes esperam que após os dez dias de isolamento a vida vai voltar ao normal e isso não acontece para todos. A pessoa que quer voltar no mesmo ritmo de antes da infecção e não consegue pode se sentir bastante abalada”, complementa Jordana. Seja como for, o mais importante é que a pessoa se informe e entenda que ela não é a única afetada.
Dessa forma, Evaldo recomenda: “As pessoas não devem se sentir culpadas pelos seus sintomas e precisam saber que não são as únicas a passarem por isso. Existe certa vergonha em admitir um sintoma como cansaço pós-covid, as pessoas querem demonstrar que estão bem. Mas tudo bem não estar bem. Meu recado é: ‘Tenham calma e busquem ajuda'”.