Quem é Karapiru? História do indígena que morreu duas vezes

A história de quem é Karapiru teve maior aprofundamento a partir da pesquisa da a antropóloga Aparecida Vilaça. Também professora da Universidade Federal do Rio

A história de quem é Karapiru teve maior aprofundamento a partir da pesquisa da a antropóloga Aparecida Vilaça. Também professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ela recuperou e recontou a história do indígena que morreu duas vezes. Desse modo, estudou os registros jornalísticos sobre Karapiru e conversou com pessoas que conviveram com ele.

Nesse sentido, Karapiru é um indígena do povo Awá Guajá que sobreviveu uma situação extremamente traumática ao longo de sua vida. A princípio, vivia na região oeste do Maranhão quando um massacre de invasores não-indígenas dizimou o grupo com quem vivia. Além disso, levou à morte de toda a sua família, ainda em 1978.

Porém, o assassinato brutal foi o começo de uma história que até hoje levanta polêmicas e discussões. Sobretudo, Karapiru foi tratado como um “caso curioso” pela imprensa. Desse modo, os eventos que sucederam sua vida até o falecimento em julho de 2021 denunciam o tratamento dos brasileiros em relação à população indígena.

Em especial, no que diz respeito à transformação de vidas indígenas em criaturas exóticas, entender quem é Karapiru mostra um problema muito mais profundo no imaginário coletivo. Sendo assim, conhecer e difundir sua história é uma forma de criar maior conscientização a respeito dessa comunidade. Por fim, entenda sobre os acontecimentos a seguir:

Quem é Karapiru? História do indígena que morreu duas vezes
Karapiru Awa Guajá (à direita)

Quem é Karapiru?

Antes de mais nada, o massacre de sua comunidade em 1978 envolveu a execução a tiros de mulheres e crianças. Os invasores não-indígenas também atearam fogo nos pertences que os Awás deixaram para trás, obrigando todos a fugir para sobreviver. Nesse sentido, Karapiru conseguiu carregar uma criança consigo enquanto fugia.

Porém, a criança acabou falecendo em decorrência de uma grave diarreia. Porque não tinha para onde voltar e não encontrou sobreviventes, Karapiru abandonou sua terra e perambulou sozinho por dez anos. Ademais, viveu com a ameaça dos invasores pairando sobre sua cabeça durante todo esse período.

Mais ainda, sobreviveu enquanto caçava com seu arco e flecha, dormia no alto de árvores e não teve nenhum contato com outro ser humano. Para entender a gravidade dos acontecimentos, Karapiru andou tanto que foi parar na Bahia. Mais especificamente, isso significa uma distância maior que 1565 quilômetros de caminhada, o que nem mesmo o Google Maps consegue projetar.

Eventualmente, ele foi resgatado pela Funai na década seguinte, quando chegou na Bahia. Logo em seguida, retornou ao território do seu povo na região do Awá, Maranhão, com ajuda da Funai. Por fim, viveu com eles durante 30 anos até falecer em decorrência da Covid-19, sozinho no hospital, em 16 de julho de 2021.

Quem é Karapiru? História do indígena que morreu duas vezes
Rio Pindaré, que passa no território Awá no Maranhão

Karapiru: a história do indígena que morreu duas vezes

Ainda que essa pareça uma história com muitos lados positivos, porque Karapiru retornou à comunidade Awá Guajá, existem outros fatores importantes. Em primeiro lugar, as comunidades indígenas não possuem o mesmo senso de individualidade que os não indígenas possuem. No caso dos Awá Guajá, eles se enxergam como parte de um todo e estão sempre juntos.

Portanto, estar sozinho é tão horrível como a morte, e Karapiru passou uma década nesse processo, sem nenhuma interação humana, nem mesmo com não-indígenas. Desse modo, surgiu sua história como o “indígena que morreu duas vezes” por conta do tempo em solidão após o massacre e o eventual falecimento por decorrência da Covid no hospital.

Além disso, estima-se que mesmo após retornar à sua comunidade, Karapiru não se recuperou completamente. Nesse tempo de isolamento e solidão, ele esqueceu de sua língua materna, assim como o nome das coisas mais simples. Ademais, a pesquisa de Vilaça e suas entrevistas à BBC mostram que ele se esqueceu também de habilidades centrais da cultura do seu povo.

Curiosamente, os homens adultos do povo Awá-Guajá usam do canto como instrumento essencial para a vida e para os rituais. Porém, Karapiru relatou que desaprendeu a cantar em uma conversa com o antropólogo Uirá Garcia, o principal estudioso de seu povo. Além disso, afirmou ter morrido um pouco no período em que ficou afastado de seus semelhantes.

Portanto, sua morte por Covid-19 foi uma segunda morte porque a primeira tem esse teor simbólico da perda da identidade, do esquecimento. No geral, a morte para os indígenas acontecem diversas vezes durante a vida, deixando marcas permanentes. Ainda com tudo que aconteceu, Karapiru manteve-se como uma pessoa doce e pacífica, sorrindo constantemente, mesmo sem se recuperar.

Quem é Karapiru? História do indígena que morreu duas vezes
Karapiru após retornar à sua comunidade

O que essa história conta sobre os não-indígenas?

No geral, a antropóloga Aparecida Vilaça afirmou em uma entrevista à BBC que a ideia de compilar a história de quem foi Karapiru tem amplos significados. Por um lado, busca-se homenagear sua história. Em contrapartida, também é uma forma de destacar seu papel como símbolo da resistência das comunidades indígenas e do sofrimento que vivem no Brasil.

Sobretudo, Karapiru não é o único que passou por uma experiência de vida tão dolorosa. Infelizmente, faz parte de uma estatística em crescimento, principalmente no contexto da invasão de terras indígenas, desmatamento e queimadas nas florestas. Contudo, a história do indígena que morreu duas vezes teve ampla divulgação nos jornais em 1980, quando foi resgatado.

Entretanto, ele foi tratado pela imprensa e pela mídia como uma curiosidade, um caso exótico, uma história diferente. Ou seja, não se deu o tratamento necessário a uma pessoa que sobreviveu o massacre de seu grupo e passou dez anos em isolamento completo. Portanto, há na pesquisa de Vilaça um teor importante que denuncia como os não-indígenas tratam os indígenas.

Acima de tudo, utiliza-se essa expressão não-indígena para designar pessoas que não são membros dessas comunidades. Sendo assim, o “homem branco” cabe nessa categoria, adotada por pesquisadores para abranger também mulheres, crianças e demais pessoas externas à essas civilizações.

Desde a origem do problema com o massacre do até a forma com que foi noticiado e tratado na sociedade não-indígena, a história de quem é Karapiru mostra a urgência da situação dessas comunidades indígenas no Brasil. Por fim, o estudo será publicado na 39ª edição da revista serrote no dia 18 de novembro e pode ser lido na íntegra aqui.

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